Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/355

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  A gloria, Ergasto meu, qu'he possuida,
Nunca sabe de nós ser tida em preço:
Só despois que se perde he conhecida.
  E desta vida os bens, qu'eu não mereço,
Quando os perco e o mal da outra ja m'espera,
Com grandes mágoas d'alma os reconheço.
  Oh se em ditosa sorte me coubera
Por favor ou destino das estrellas,
Qu'entre pastores, eu pastor vivêra!
  Muitas vezes t'ouvira as luzes bellas
Cantar da linda Nise, nas quaes arde
Teu peito, sempre ufano d'arder nellas.
  Buscae pastor, ovelhas, que vos guarde;
Que o Ceo não quer qu'eu mais vos guarde e conte,
E despois vos recolha, sôbre a tarde.
  Nãovos verei saltar junto da fonte,
Cabras minhas, ja meu querido gado,
Nem da rocha pender no verde monte.
            ERGASTO.
  Consente agora, ó Delio, que chorado
Em triste verso seja apartamento,
Que assi me deixa triste e magoado.
            DELIO.
  Não: que se dobrará meu sentimento.
Mas se queres, Ergasto, que m'esqueça
Partida, que lembrada he só tormento,
  Canta aquelle Soneto, que começa:
Quantas vezes do fuso s'esquecia.
Que digas hum dos teus, não sei se o peça.{282}
            ERGASTO.