Nem pretendeo mais alto levantar-me
D'aquillo qu'elle quiz; e s'elle ordena
Qu'eu pague seu ousado atrevimento,
Saibão que o mesmo Amor, que me condena,
Me fez cahir na culpa e mais na pena.
Os olhos, qu'eu adoro, aquelle dia
Que descêrão ao baixo pensamento,
N'alma os aposentei suavemente;
E pretendendo mais, como avarento,
O coração lhe dei por iguaria,
Que a meu mandado tinha obediente.
Mas, como lhes esteve alli presente,
E entendêrão o fim do meu desejo,
Ou por outro despejo,
Que a lingua descobrio por desvario,
Morto de sêde estou pôsto em hum rio,
Onde de meu servir o fructo vejo;
Mas logo se alça se a colhê-lo venho,
E foge-me a ágoa s'em beber porfio.
Assi qu'em fome e sêde me mantenho:
Não tẽe Tantalo a pena qu'eu sostenho.
Despois que aquella, em quem minh'alma vive,
Quiz alcançar o baixo atrevimento,
Debaixo d'este engano a alcancei:
A nuvem do contino pensamento
Ma figurou nos braços, e assi tive
Sonhando, o que acordado desejei.
E porque a meu desejo me gabei
De conseguir hum bem de tanto preço;
Além do que padeço,
Atado em huma roda estou penando,{
Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/378
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