Que de todos os grandes desatinos
Faz a culpa soberba e soberana.
Parece-me que tinha fórma humana,
Mas scintilava espiritos divinos.
Hum meneio, e presença tinha tal,
Que se vangloriava todo o mal
Na vista della: a sombra co'a viveza
Excedia o poder da natureza.
Que genero tão novo de tormento
Teve Amor, sem que fosse não somente
Provado em mi, mas todo executado?
Implacaveis durezas, que ao fervente
Desejo, que dá fôrça ao pensamento,
Tinhão de seu proposito abalado,
E corrido de ver-se e injuriado:
Aqui sombras phantasticas, trazidas
D'algumas temerarias esperanças;
As bem-aventuranças
Tambem nellas pintadas e fingidas.
Mas a dor do desprêzo recebido,
Que todo o phantasiar desatinava,
Estes enganos punha em desconcêrto.
Aqui o adivinhar, e o ter por certo
Qu'era verdade quanto adivinhava,
E logo o desdizer-me de corrido;
Dar ás cousas que via outro sentido;
E para tudo, emfim, buscar razões:
Mas erão muitas mais as semrazões.
Não sei como sabía estar roubando
Co'os raios as entranhas, que fugião
Par'ella por os olhos subtilmente!{336}
Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/409
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