Pouco a pouco invisiveis me sahião;
Bem como do véo humido exhalando
Está o subtil humor o sol ardente.
O gesto puro, emfim, e transparente,
Para quem fica baixo e sem valia
Este nome de bello e de formoso;
O doce e piedoso
Mover d'olhos, que as almas suspendia,
Forão as hervas magicas, que o Ceo
Me fez beber: as quaes por longos anos
N'outro ser me tiverão transformado,
E tão contente de me ver trocado,
Que as mágoas enganava co'os enganos;
E diante dos olhos punha o véo,
Que m'encobrisse o mal que assi cresceo:
Como quem com affagos se criava
Daquella para quem crescido estava.
Pois quem póde pintar a vida ausente,
Com hum descontentar-me quanto via,
E aquell'estar tão longe donde estava;
O fallar sem saber o que dizia;
Andar sem ver por onde, e juntamente
Suspirar sem saber que suspirava?
Pois quando aquelle mal m'atormentava,
E aquella dor, que das Tartareas ágoas
Sahio ao mundo, e mais que todas doe,
Que tantas vezes soe
Duras íras tornar em brandas mágoas?
Agora co'o furor da mágoa irado,
Querer, e não querer deixar de amar;
E mudar n'outra parte, por vingança,{
Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/410
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