Na mão que a dura Pelias meneára;
Alli canta e suspira,
Não como lh'ensinára
O velho, mas o moço que o cegára.
Pois, logo, quem culpado
Será, se de pequeno offerecido
Foi todo a seu cuidado;
No berço instituido
A não poder deixar de ser ferido?
Quem logo fraco infante
D'outro mais poderoso foi sujeito,
E para cego amante
Desd'o princípio feito,
Com lagrimas banhando o tenro peito?
Se agora foi ferido
Da penetrante ponta e fôrça d'herva;
E se Amor he servido
Que sirva á linda serva,
Para quem minha estrella me reserva?
O gesto bem talhado;
O airoso meneio e a postura;
O rosto delicado,
Que na vista figura
Que s'ensina por arte a formosura,
Como póde deixar
De render a quem tenha entendimento?
Que quem não penetrar
Hum doce gesto, attento,
Não lhe he nenhum louvor viver isento.
Aquelles, cujos peitos
Ornou d'altas sciencias o destino.{385}
Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/458
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