Se vírão mais sujeitos
Ao cego e vão menino,
Arrebatados do furor divino.
O Rei famoso Hebreio,
Que mais que todos soube, mais amou;
Tanto, que a deos alheio
Falso sacrificou.
Se muito soube e teve, muito errou.
E o grão Sabio qu'ensina,
Passeando, os segredos da Sophia,
Á baixa concubina
Do vil Eunuco Hermia
Aras ergueo, que aos deoses só devia.
Aras ergue a quem ama
O Philosopho insigne namorado.
Doe-se a perpétua fama,
E grita qu'he culpado:
Da lesa divindade he accusado.
Ja foge donde habita;
Ja paga a culpa enorme com destêrro.
Mas, oh grande desdita!
Bem mostra tamanho êrro
Que doctos corações não são de ferro.
Antes na altiva mente,
No subtil sangue e engenho mais perfeito
Ha mais conveniente
E conforme sogeito,
Onde s'imprima o brando e doce affeito.{386}
Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/459
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