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SONETOS.
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VIII.

Amor, que o gesto humano na alma escreve,
Vivas faiscas me mostrou hum dia,
Donde hum puro crystal se derretia
Por entre vivas rosas e alva neve.

A vista, que em si mesma não se atreve,
Por se certificar do que alli via,
Foi convertida em fonte, que fazia
A dor ao soffrimento doce e leve.

Jura Amor, que brandura de vontade
Causa o primeiro effeito; o pensamento
Endoudece, se cuida que he verdade.

Olhai como Amor gera, em hum momento,
De lagrimas de honesta piedade
Lagrimas de immortal contentamento.



IX.

Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa juntamente chóro e rio;
O mundo todo abarco, e nada apérto.

He tudo quanto sinto hum desconcêrto:
Da alma hum fogo me sahe, da vista hum rio;
Agora espero, agora desconfio;
Agora desvarío, agora acérto.

Estando em terra, chego ao ceo voando;
N'hum'hora acho mil annos, e he de geito
Que em mil annos não posso achar hum'hora.

Se me pergunta alguem, porque assi ando,
Respondo, que não sei: porém suspeito
Que só porque vos vi, minha Senhora.