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SONETOS.
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XL.

Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas águas de crystal,
Que em vós os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos:

Sylvestres montes, asperos penedos
Compostos de concêrto desigual;
Sabei que sem licença de meu mal
Ja não podeis fazer meus olhos ledos.

E pois ja me não vêdes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vem.

Semearei em vós lembranças tristes,
Regar-vos-hei com lagrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.



XLI.

Quantas vezes do fuso se esquecia
Daliana, banhando o lindo seio,
Outras tantas de hum aspero receio
Salteado Laurenio a côr perdia.

Ella, que a Sylvio mais que a si queria,
Para podê-lo ver não tinha meio.
Ora como curára o mal alheio
Quem o seu mal tão mal curar podia?

Elle, que vio tão clara esta verdade,
Com soluços dizia (que a espessura
Inclinavão, de mágoa, a piedade):

Como póde a desordem da natura
Fazer tão differentes na vontade
Aos que fez tão conformes na ventura?