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Página:Obras de Manoel Antonio Alvares de Azevedo v1.djvu/63

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de trez mezes escrevi um romance de duzentas e tantas paginas; dous poemas, um em cinco e o outro em dous cantos; uma analyse do Jacques Rolla de Musset; e uns estudos litterarios sobre a marcha simultanea da civilisaçào e poesia em Portugal — bastante volumosos; — um fragmento de poema em linguagem muito antiga, mais difficil de entender que as Sextilhas de Fr. Antão — n’outro gosto porém, mais ao geito do Th. Rowley de Chatterton.

A essa minha agitação de espirito sobrevem-me ás vezes um marasmo invencivel, horas daquellas que os navegantes temem, em que a calmaria descai no mar morto, e as velas cahem ao longo dos mastros. Fallei-te sempre e sempre com a mão no coração — se algum dia eu morresse moço ainda, na minha febre de ambiciosas esperanças, se — pobre imaginação de poeta — o gelo da morte me corresse no lavoso do cerebro, ha em algumas das minhas cartas a ti uma historia inteira de dous annos, uma lenda, dolorosa sim, mas verdadeira, muito verdadeira, no seu pungir de ferro, como uma autopsia de soffrimentos.

Luiz, é uma sina minha que eu amasse muito, e que ninguem me amasse. Eis a ironia que ahi me vêem no meu acabrunhar sombrio, n’ esse meu não crer do que os outros crêem — chamão-me frio, julgão que o egoismo e o orgulho m’o gelára inteiro o nectar, que se