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Página:Obras de Manoel Antonio Alvares de Azevedo v1.djvu/64

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chama a alma, daquella amphora maldita que se chama a vida!

Hontem estive n’um soirée. Nada, ahi como sempre, me divertiu. Quando o tédio vem de dentro, não é o sorrir dos bailes que possa adoçal-o. Quando a magoa é funda e erma; quando o coração resiccou, não é o banho de fogo de um olhar que possa revivêl-o!

A’s vezes ainda — e hoje na minha solidão é essa minha ventura — quando a mente se me embebe no ebrioso de uma scisma, quando me passão n’alma sonhos de homem que não dorme, que se chamão poesia, eu ainda sinto reabrir-se meu peito a amores de mulher. — Parece que, se aquella belleza de olhos e cabellos negros, do largo collo em que lhe fluctuão, desatasse com seus dedos macios e finos aquellas sedas do roupão, — se eu ahi repousasse essa febre da fronte que me dóe, esse queimar de um cerebro que se me afoga, eu poderia ainda ter vida — bastante para desvivel-a ahi no voluptuoso de um espasmo, para morrer ahi na loucura de um sonho de beijos... E quando, ante uma fórma alva de loira, na limpidez de uns olhos transparentes e azues como o mar, eu leio o que vai de pureza, o que ha de areias d’oiro sob aquelle esmalte diaphano de vaga, então, como o Faust de Goethe na alcova de Margarida, ha uns effluvios magneticos que me avivão o já morto palpitar de minhas fibras — oh! então eu espero ainda...