Página:Obras de Manoel Antonio Alvares de Azevedo v2.djvu/330

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vivia de servir de modelo. O fato e que ele a queria como filha — como Laura, a filha única de seu primeiro casamento — Laura, corada como uma rosa, e loira como um anjo.

Eu era nesse tempo moço era aprendiz de pintura em case de Godofredo. Eu era lindo então! que trinta anos lá vão! que ainda os cabelos e as faces me não haviam desbotado como nesses longos quarenta e dois anos de vida! Eu era aquele tipo de mancebo ainda puro do ressumbrar infantil, pensativo e melancólico como o Rafael se retratou no quadro da galeria Barberini. Eu tinha quase a idade da mulher do mestre. — Nauza tinha vinte — e eu tinha dezoito anos.

Amei-a, mas meu amor era puro como meus sonhos de dezoito anos. Nauza também me amava: era um sentir tão puro! era uma emoção solitária e perfumosa como as primaveras cheias de flores e de brisas que nos embalavam aos céus da Itália...

Como eu o disse — o mestre tinha uma filha chamada Laura. Era uma moca pálida, de cabelos castanhos e olhos azulados; sua tez era branca, e só as vezes, quando o pejo a incendia, duas rosas lhe avermelhavam a face e se destacavam no fundo de mármore. Laura parecia querer-me como a um irmão.. Seus risos, seus beijos de criança de quinze anos eram só para mim. A noite, quando eu ia deitar-me, ao passar pelo corredor escuro com minha lâmpada, uma sombra me apagava a luz e um beijo me pousava nas faces, nas trevas.