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Página:Obras poeticas de Claudio Manoel da Costa (Glauceste Saturnio) - Tomo II.djvu/220

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Dos fundos olhos inda mal se via
O fogo cintilar, em que nutria
Um espírito vivo e penetrante:
De leito serve a pedra, e tem diante
De si os secos ramos, onde acende
A pequena fogueira; a ela estende
As mãos mirradas, o calor buscando.
De uma clara corrente, que manando
Vinha do centro do penhasco, o curso
Segue Albuquerque, entregue o seu discurso,
Separado dos mais, a idéias várias;
Entrava; e suspendido entre as contrárias
Imagens que o combatem, de repente
Punha os olhos no índio, e no acidente
Do inesperado encontro está pasmado.
Caminhante que dorme descuidado
Tanto não se enche de terror e medo,
Quando abre os olhos, e vizinho e quedo
Vê desde longe o tigre, a onça brava,
Que da brenha saía, e atento o olhava.
Cuida ver uma fera o Herói; ousado
Aponta o férreo cano, e já dobrado
Houvera a mola, se de riso o velho
A boca não enchera; ao seu conselho,
Às suas vozes Albuquerque chega,
E todo ao pasmo e à admiração se entrega.
Eu vos conheço, ó Europeus, conheço
(Dizia o Gênio) o generoso apreço,
Que de vós faz o Mundo; em vão dos anos
Não conto os largos e crescidos danos.
Confunde-se o Varão; pede-lhe conte
Quem é. Que faz? Eu sou, diz Filoponte,
O primeiro que entrei estas montanhas
Com o famoso Arzão; ele às estranhas
Regiões se passou; eu só deixado,
E ao comércio dos homens já negado
Vivo neste retiro; a minha vida,
Fortuna e mal, história é tão crescida,
Que só pode cansar-te a minha história;
Mas, pois a sorte com feliz vitória
Te conduziu té aqui, chegando a ver-me,
Sabe quem sou, e aspira a conhecer-me.

Assim dizendo, com a mão feria
O penedo de um lado, e já se via
Aberta uma estrutura transparente
De cristalinos vidros, tão luzente,