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SUCESSÃO GEOLÓGICA DOS SERES ORGANIZADOS
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duzido principalmente ou exclusivamente marsupiais, ou que a América do Sul tem sòmente produzido desdentados e alguns outros tipos que lhe são próprios. Sabemos, com efeito, que a Europa era antigamente povoada por numerosos marsupiais, e demonstrei, em trabalhos a que precedentemente aludi, que a lei da distribuição dos mamíferos terrestres na América era noutro tempo diferente do que é hoje. A América do Norte apresentava antigamente muitos caracteres actuais da metade meridional deste continente; e esta aproximava-se muito mais do que actualmente da metade setentrional. As descobertas de Falconer e de Cautley também nos ensinam que os mamíferos da India setentrional estiveram outrora em relação mais estreita com os da África do que hoje estão. A distribuição dos animais marinhos fornece-nos factos análogos.

A teoria da descendência com modificações explica imediatamente esta grande lei da sucessão muito tempo continuada, mas não imutável, dos mesmos tipos nas mesmas regiões; porque os habitantes de cada parte do mundo tendem evidentemente a deixar aí, durante o período seguinte, descendentes estreitamente aliados, se bem que modificados até certo ponto. Se os habitantes de um continente diferiram outrora consideravelmente dos de outro continente, da mesma forma os descendentes modificados diferem ainda quase da mesma maneira e no mesmo grau. Mas, após mui longos intervalos e alterações geográficas importantes, em seguida aos quais houve numerosas migrações recíprocas, as formas mais fracas cedem o lugar às formas dominantes, de modo que não pode haver nada imutável nas leis da distribuição passada ou actual dos seres organizados.

Perguntar-se-á, a modo de zombaria, se considero a preguiça, o tatu e o papa-formigas como os descendentes degenerados do megatério e de outros monstros gigantescos vizinhos, que outrora habitaram a América meridional. Não é de modo algum admissível. Estes enormes animais estão extintos e não deixaram descendentes. Mas encontra-se, nas cavernas do Brasil, um grande número de espécies fósseis que, pela sua configuração e por todos os outros caracteres, se aproximam das espécies que vivem actualmente na América do Sul, e de que algumas podem ter sido os antepassados reais das espécies vivas. É preciso não esquecer que, pela minha teoria, todas as espécies do mesmo género descendem de uma espécie única, de maneira que, se se encontrarem numa formação geológica seis géneros tendo cada um oito espécies, e na formação zoológica seguinte outros seis géneros aliados ou representativos tendo cada um o mesmo número de espécies, podemos concluir que, em geral,