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DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA
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plantas em pontos prodigiosamente afastados tais como a terra de Kerguélen, a Nova Zelândia e a Terra do Fogo; mas, como sugere Lyell, os gelos flutuantes podem ter contribuído para a sua dispersão. A existência, em certos pontos e em muitos outros ainda do hemisfério austral, de espécies que, posto que distintas, fazem parte de géneros exclusivamente restritos a este hemisfério, constitui um facto ainda mais notável. Algumas destas espécies são tão distintas, que não podemos supor que o tempo decorrido desde o começo do último período glaciário tenha sido suficiente para a sua migração e para que as modificações necessárias tenham podido efectuar-se. Estes factos parecem-me indicar que espécies distintas pertencendo aos mesmos géneros têm emigrado de um centro comum seguindo linhas radiadas, e me levam a crer que, no hemisfério austral, do mesmo modo que no hemisfério boreal, o período glaciário foi precedido de uma época mais quente, durante a qual as terras antárcticas, actualmente cobertas de gelos, nutriram uma flora isolada e toda particular. Pode supor-se que antes de serem exterminadas durante o último período glaciário, algumas formas desta flora foram transportadas em numerosas direcções por meios acidentais, e, com auxílio de ilhas intermediárias, em seguida submersas, para diversos pontos do hemisfério austral.

É assim que as costas meridionais da América, da Austrália, e da Nova Zelândia poderiam apresentar em comum estas formas particulares de seres organizados.

Sir C. Lyell discutiu, em páginas notáveis, em linguagem quase idêntica à minha, os efeitos das grandes alternativas do clima sobre a distribuição geográfica no universo inteiro. Acabamos de ver que a conclusão à qual chegou M. Croll, relativamente à sucessão de períodos glaciários num dos hemisférios, coincidindo com períodos de calor no outro hemisfério, junta à lenta modificação das espécies, explicar a maior parte dos factos que apresentam, na distribuição por todos os pontos do globo, as formas organizadas idênticas, e as que são estreitamente aliadas. As ondas vivas têm, durante certos períodos, corrido do norte para o sul e reciprocamente, e, nos dois casos, têm atingido o equador; mas a corrente da vida foi sempre muito mais considerável do norte para o sul do que no sentido inverso, e é, por conseguinte, a do norte que mais largamente inundou o hemisfério austral. Da mesma forma que o fluxo depõe em linhas horizontais os detritos que arrasta às praias, elevando-se mais alto nas costas em que a maré é mais forte, da mesma maneira as ondas vivas deixaram nos altos píncaros os seus fragmentos vivos, seguindo uma linha que se eleva lentamente