Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/466

Wikisource, a biblioteca livre
440
ORIGEM DAS ESPÉCIES

ras; temos também visto precedentemente que os órgãos muitas vezes repetidos estão essencialmente aptos a variar, não sòmente em número, como na forma. Por conseguinte, a sua presença em quantidade considerável e a sua grande variabilidade tem naturalmente fornecido os materiais necessários à sua adaptação aos mais diversos fins, conservando, em geral, devido à força hereditária, traços distintos da sua semelhança original ou fundamental. Devem conservar esta semelhança tanto mais quanto as variações fornecendo a base da sua modificação subsequente por meio da selecção natural, tendem desde o princípio a ser semelhantes; parecendo-se as partes no seu estado precoce e sendo submetidas às mesmas condições. Estas partes mais ou menos modificadas seriam seguidamente homólogas, a menos que a sua origem comum não fosse inteiramente obscurecida.

Posto que seja fácil demonstrar, na grande classe dos moluscos, a homologia das partes nas espécies distintas, somente se podem notar poucas homologias seriais, por exemplo as valvas das conchas; isto é, só podemos raramente afirmar a homologia de tal parte do corpo com tal outra do mesmo indivíduo. Este facto nada tem de surpreendente; entre os moluscos, com efeito, mesmo entre os representantes menos elevados da classe, estamos longe de encontrar esta repetição indefinida de uma parte dada, que notamos nas outras grandes ordens dos reinos animal e vegetal.

A morfologia constitui, demais, um assunto bem mais complicado do que parecia a princípio; é o que recentemente demonstrou M. Ray Lankester numa memória notável. M. Lankester estabeleceu uma importante distinção entre certas classes de factos que todos os naturalistas têm considerado como homólogos. Propõe o nome de estruturas homogéneas às estruturas que se assemelham em animais distintos, devido à descendência de um antepassado comum com modificações subsequentes, e às semelhanças que se não podem explicar assim, semelhanças homoplásticas. Por exemplo, crê que o coração das aves e dos mamíferos, é homogéneo em conjunto, isto é, que provêm de uma origem comum; mas que as quatro cavidades do coração são, nas duas classes, homoplásticas, isto é, que se desenvolveram independentemente. M. Lankester alega ainda a íntima semelhança das partes situadas do lado direito e do lado esquerdo do corpo, assim como os segmcntos sucessivos do mesmo indivíduo; são partes ordinàriamente chamadas homólogas, e que, contudo, não se ligam à descendência de espécies diversas de um antepassado comum. As conformações homoplásticas são as que classifiquei, ainda que de uma maneira