Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/480

Wikisource, a biblioteca livre
454
ORIGEM DAS ESPÉCIES

se se abre uma fêmea grávida, encontram-se aí gerinos providos de guelras admirávelmente ramificadas e que, metidos na água, nadam como os gerinos da salamandra aquática. Esta organização aquática não tem evidentemente relação alguma com a vida futura do animal; não está, demais, adaptada às suas condições embrionárias; liga-se ùnicamente às adaptações ancestrais e repete uma das fases do desenvolvimento que têm percorrido as formas antigas de que deriva».

Um órgão servindo a duas funções pode tornar-se rudimentar ou atrofiar-se completamente para uma delas, por vezes mesmo para a mais importante, e ficar perfeitamente capaz de desempenhar a outra. Assim, nas plantas, o papel do pistilo é permitir aos tubos polinicos entrar até aos ovários. O pistilo compõe-se de um estigma sustentado por um estilete; mas, nas compostas, as flores masculinas, que não poderiam ser fecundadas naturalmente, têm um pistilo rudimentar, no qual não há estigma; o estilete portador, como nas outras flores perfeitas, fica bem desenvolvido e guarnecido de pêlos que servem para friccionar as anteras a fim de fazer saltar o pólen que as cerca. Um órgão pode ainda tornar-se rudimentar relativamente à sua função própria e adaptar-se a um uso diferente; tal é a bexiga natatória de certos peixes, que parece tornar-se quase rudimentar quanto à sua função própria, consistindo em dar ligeireza ao peixe, para se transformar num órgão respiratório ou num pulmão em via de formação. Poderiam citar-se muitos outros exemplos análogos.

Não se devem considerar como rudimentares os órgãos que, ainda que pouco desenvolvidos, têm, contudo, alguma utilidade, a não ser que tenhamos razões para supor que foram noutro tempo mais desenvolvidos. Podem considerar-se como órgãos nascentes em via de desenvolvimento. Os órgãos rudimentares, ao contrário, tais como os dentes, por exemplo, que jamais perfuram as gengivas, ou como as asas de um avestruz que servem apenas como velas, são quase inúteis. Como é certo que num estado menor de desenvolvimento estes órgãos seriam ainda mais inúteis que na condição actual, não podem ter sido produzidos outrora por variação e por selecção natural, que jamais actua a não ser pela conservação das modificações úteis. Ligam-se a um antigo estado de coisas e foram em parte conservados pelo poder da hereditariedade. Todavia, é muitas vezes difícil distinguir os órgãos rudimentares dos órgãos nascentes, porque só a analogia nos permite julgar se um órgão é susceptível de novos desenvolvimentos, caso único a que se pode chamar nascente. Os órgãos nascentes devem ser sempre muito raros,