Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/508

Wikisource, a biblioteca livre
482
ORIGEM DAS ESPÉCIES

vitável, tanto que se não atribuía à história do globo senão uma duração muito curta, e agora, que temos adquirido algumas noções do lapso de tempo decorrido, admitimos prontamente, e sem provas, que os documentos geológicos são bastante completos para nos fornecer a demonstração evidente da mutação das espécies, se essa mutação se realizou realmente.

Mas a causa principal da nossa repugnância natural em admitir que uma espécie deu origem a outra espécie distinta é o estarmos sempre pouco dispostos a admitir uma grande alteração sem vermos os graus intermédios. A dificuldade é a mesma que a que tantos geológicos experimentaram quando Lyell demonstrou que as longas linhas de declive interiores, assim como a excavação dos grandes vales, são o resultado de influências que vemos ainda agir em torno de nós. O espírito não pode conceber toda a significação deste termo: um milhão de anos, nem saberia, demais, adicionar nem perceber os efeitos completos de muitas variações ligeiras, acumuladas durante um número quase infinito de gerações.

Posto que esteja profundamente convencido da verdade das opiniões que em breves palavras tenho exposto no presente volume, não espero convencer certos naturalistas, muito experimentados sem dúvida, mas que, desde longo tempo, estão habituados a ver um conjunto de factos num ponto de vista directamente oposto ao meu. É muito fácil ocultar a nossa ignorância em expressões tais como plano de criação, unidade de tipo, etc.; e pensar que nos explicamos quando apenas repetimos um mesmo facto. Aquele que tiver qualquer disposição natural a ligar mais importância a algumas dificuldades não resolvidas do que à explicação de um certo número de factos, rejeitará certamente a minha teoría. Alguns naturalistas dotados de uma inteligência aberta e já disposta a pôr em dúvida a imutabilidade das espécies podem ser influenciados pelo conteúdo deste volume, mas tenho mais confiança no futuro, nos novos naturalistas, que poderão estudar imparcialmente os dois lados da questão. Todo o que for levado a admitir a imutabilidade das espécies prestará verdadeiros serviços exprimindo conscienciosamente a sua convicção, porque sòmente assim se poderá desembaraçar a questão de todos os preconceitos que a cercam.

Alguns naturalistas eminentes exprimiram, recentemente, a opinião de que há, em certos géneros, uma multidão de espécies, consideradas como tais, que não são, contudo, verdadeiras espécies; enquanto que há outras que são reais, isto é, que foram criadas de uma maneira independente. É esta, me parece, uma singular conclusão. Depois de terem reconhecido um conjunto de