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RECAPITULAÇÃO E CONCLUSÕES
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formas, que consideraram, muito recentemente ainda, como criações especiais, que são ainda consideradas como tais pela grande maioria dos naturalistas, e que, consequentemente, têm todos os caracteres exteriores de verdadeiras espécies, admitem que estas formas são o produto de uma série de variações e recusam estender esta maneira de ver a outras formas um pouco diferentes. Não pretendem, contudo, poder definir, ou mesmo conjecturar, quais são as formas que foram criadas e quais as que são produtos de leis secundárias. Admitem a variabilidade como vera causa num caso, e rejeitam-na arbitràriamente noutro, sem estabelecer qualquer distinção fixa entre os dois. O dia virá em que se poderão assinalar estes factos como um curioso exemplo da cegueira resultante de uma opinião preconcebida. Estes sábios não parecem admirar-se mais de um acto miraculoso da criação do que de uma origem ordinária. Mas crêem eles realmente que em inumeráveis épocas da história da Terra certos átomos elementares receberam ordem de se agruparem em tecidos vivos? Admitem eles que em cada suposto acto de criação se tenha produzido um ou muitos indivíduos? As espécies infinitamente numerosas de plantas e animais terão sido criadas no estado de sementes, de óvulos ou de perfeito desenvolvimento? E, no caso dos mamíferos, terão essas espécies, depois da criação, trazido os indícios mentirosos da nutrição intra-uterina? A estas questões, os partidários da criação de algumas formas vivas ou de uma só forma não saberiam, sem dúvida, que responder. Diversos sábios têm sustentado que é tão fácil acreditar na criação de centos de milhões de seres como na criação de um só; mas em virtude do axioma filosófico de a menor acção, formulado por Maupertuis, o espírito é levado mais voluntàriamente a admitir o menor número, e não podemos certamente crer que uma quantidade inúmera de formas da mesma classe tenham sido criadas com os sinais evidentes, mas enganosos, da sua descendência de um mesmo antepassado.

Como recordação de um estado de coisas anterior, tenho empregado, nos parágrafos precedentes, muitas expressões que implicam nos naturalistas a crença na criação de cada espécie. Tenho sido muito censurado de me haver exprimido assim; mas era isto, sem dúvida alguma, a opinião geral quando da aparição da primeira edição da obra actual. Discuti outrora com muitos naturalistas sobre a evolução, sem encontrar jamais o menor testemunho simpático. É provável, portanto, que alguns acreditassem na evolução, mas ficassem silenciosos, ou se exprimissem de uma maneira de tal modo ambígua, que não fosse fácil compreender a sua opinião. Hoje, tudo mudou e quase