Página:Origem das espécies (Lello & Irmão).pdf/510

Wikisource, a biblioteca livre
484
ORIGEM DAS ESPÉCIES

todos os naturalistas admitem o grande princípio da evolução, Há, contudo, quem acredite ainda que as espécies têm sùbitamente produzido, por meios ainda inexplicáveis, formas novas totalmente diferentes; mas, como procurei aqui demonstrar, há provas poderosas que se opõem a toda a admissão destas modificações bruscas e consideráveis. No ponto de vista científico, e mesmo conduzindo a estudos ulteriores, há apenas pouca diferença entre a crença de novas formas terem sido produzidas sùbitamente de uma maneira inexplicável pelas antigas formas muito diferentes, e a velha crença na criação das espécies por meio do barro.

Até onde, poderão perguntar-me, levais vós a vossa doutrina da modificação das espécies? Eis uma pergunta à qual é difícil responder, porque, quanto mais distintas são as formas que consideramos, mais os argumentos em favor da comunhão de descendência diminuem e perdem da sua força. Alguns argumentos, todavia, têm um peso considerável e alta importância. Todos os membros de classes inteiras estão ligados uns aos outros por uma cadeia de afinidades, e podem todos, segundo um mesmo princípio, ser classificados em grupos subordinados a outros grupos. Os restos fósseis tendem por vezes a preencher as imensas lacunas entre as ordens existentes.

Os órgãos no estado rudimentar testemunham claramente que existiram em estado desenvolvido num antepassado primitivo; facto que, em alguns casos, implica modificações consideráveis nos descendentes. Em classes inteiras, conformações muito variadas são construídas sobre o mesmo plano, e os embriões muito novos assemelham-se de perto. Não posso, pois, duvidar que a teoria da descendência com modificações não deva compreender todos os membros de uma mesma grande classe ou de um mesmo reino. Creio que todos os animais derivam de quatro ou cinco formas primitivas no máximo, e todas as plantas de um número igual ou mesmo menor.

A analogia conduzir-me-ia a dar um passo a mais, e seria levado a crer que todas as plantas e todos os animais derivam de um protótipo único; mas a analogia pode ser um guia enganador. Todavia, todas as formas da vida têm muitos caracteres comuns: a composição química, a estrutura celular, as leis do crescimento e a faculdade que têm de ser afectadas por certas influências nocivas. Esta susceptibilidade nota-se até nos factos mais insignificantes; assim, um mesmo veneno afecta muitas vezes da mesma maneira as plantas e os animais; o veneno segregado pela mosca da galha determina na roseira brava ou no carvalho excrescências monstruosas. A reprodução sexual