Página:Os Esquecidos no Processo de Independência.pdf/13

Wikisource, a biblioteca livre

Lucia Maria Bastos Pereira das Neves Os esquecidos no processo da Independência: uma história a se fazer

Almanack, Guarulhos, n. 25, ef00220, 2020

http://doi.org/10.1590/2236-463325ef0022

Essa provocação era permeada pela retórica[1] dos textos da Revolução Francesa de 1789 - “Citoyens! Aux armes!” - ainda que não refletisse o mesmo clima, pois o objetivo não consistia em destronar a dinastia reinante - a de Bragança, já que acreditavam na inocência do soberano -, mas, sim, afastar seus ministros e validos. A proposta pretendia, portanto, quebrar os grilhões do despotismo que havia tanto tempo, julgava-se, oprimiam os luso-brasileiros. Vislumbrava-se uma aceleração do tempo para esses homens que percebiam uma nova proposta de organização da política na sociedade que se diferenciava do passado[2]. Aquele presente vivenciado por tais indivíduos constituía-se em chave fundamental para construir o futuro.

Desse modo, por meio dessas fontes, produzidas em momentos de turbulência política e ainda muito pouco exploradas, uma nova dimensão dos acontecimentos se desvela, qual seja, o envolvimento político das camadas populares nesse processo. Por conseguinte, novos atores vêm à tona, tornando-se singulares por seu anonimato e trazendo outras perspectivas que permitem explicações distintas do passado.

Outro ponto que merece interesse e análise, pois ainda há parcos estudos sobre o assunto em função da raridade das fontes, é a atuação dos escravos no processo de separação do Brasil de Portugal, especialmente acerca de sua atuação nas guerras de Independência. Anônimos, em sua maioria, formavam grupos distintos que muitas vezes se opunham entre si - os escravos crioulos e pardos, nascidos no Brasil, e os africanos. Para além do que já foi estudado por João José Reis, o papel atribuído a um “partido negro” no movimento da Independência, conforme relato de um informante francês, escrito provavelmente depois de 1823, era que este “partido dos negros e das

13

Forum

  1. Para a questão da retórica, cf. CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Revista Topoi, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 123-152, 2000.
  2. KOSELLECK, Reinhart. Los estratos del tiempo: estudios sobre la historia. Barcelona: Ediciones Paidós, 2001.