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Lucia Maria Bastos Pereira das Neves Os esquecidos no processo da Independência: uma história a se fazer

Almanack, Guarulhos, n. 25, ef00220, 2020

http://doi.org/10.1590/2236-463325ef0022

pessoas de cor” constituía-se como o mais perigoso, “pois [tratava-se] do mais forte numericamente falando”[1]. Sem dúvida, em províncias com forte presença de escravos, seu comportamento ante a situação de conflito era contrário aos portugueses, que monopolizavam a venda de produtos básicos de subsistência manipulando seus preços de acordo com seus interesses. Claro que muitos também se opunham à elite branca nascida no Brasil[2].

Algumas vezes, os escravos tentaram obter um papel político mais claro na vitória dos favoráveis à “causa brasileira”, como na Bahia. Maria Bárbara Garcez Pinto, importante dama baiana, dona de engenhos na Bahia, casada com Luís Paulino d’Oliveira Pinto da França, deputado pela província da Bahia nas Cortes de Lisboa, ao lhe escrever informava que: “a crioulada da Cachoeira fez requerimentos para serem livres”, acreditando que de forma ordeira podiam ter uma intervenção maior na cena pública. Ainda em sua carta, afirmava que havia na Bahia alguns indivíduos, talvez brancos, que enviavam “às Cortes requerimentos” sobre o assunto. No entanto, apesar da “mulatada” ser “infame” e “soberba” - uma “corja do diabo” - havia “boas leis” que os podiam escutar, mas também castigar. Afinal, “estão tolos, mas a chicote tratam-se!”[3] Essa atitude de rebeldia era relatada mais tarde, em 1823, pelo Idade d’Ouro do Brazil, que atribuía “esse fenômeno preocupante [a possibilidade de alforria dos escravos] ao mau exemplo dos senhores patriotas”[4].

De outro lado, ao longo das guerras de independência, especialmente na Bahia, diversos escravos fugiram para se engajar nas forças brasileiras. Acreditavam que, ao lutar pela liberdade do Brasil, podiam lutar também por sua própria liberdade. Vislumbravam um

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Forum

  1. Um documento inédito para a história da Independência. Transcrito por Luiz Mott em MOTA, Carlos Guilherme. 1822: dimensões ... Op. Cit., p. 482.
  2. Cf. REIS, João José. O jogo duro ... Op. Cit.
  3. FRANÇA, António d’Oliveira Pinto da; CARDOSO, Antônio Monteiro. Cartas baianas: 1821-1824: subsídios para o estudo dos problemas da opção na Independência brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980, p. 36 e 39.
  4. IDADE D’OURO DO BRAZIL. Salvador, n. 8, 28 jan. 1823.