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Lucia Maria Bastos Pereira das Neves Os esquecidos no processo da Independência: uma história a se fazer

Almanack, Guarulhos, n. 25, ef00220, 2020

http://doi.org/10.1590/2236-463325ef0022

que as autoridades se apressavam em fornecer. Outros portugueses partiram de livre e espontânea vontade[1].

Paralelamente, algumas notícias vieram à luz e contribuíram para tornar ainda mais carregado o ambiente. O Correio do Rio de Janeiro, por exemplo, acusava um dos presos, o padre José Pinto da Costa Macedo, conhecido pelo pseudônimo de Filodemo, de tramar uma terrível conspiração contra os brasileiros.

Este demo, diabo ou coisa mais abaixo, ou mais acima, preparava o maior de todos os flagelos, que poderiam sugerir para nossa desgraça os gênios maus deliberando reunidos em conselho.
[…]
indo a casa de tal demo um preto, oficial de sapateiro, levar umas botas por ordem de seu mestre, e sendo recebido com muita urbanidade pelo mesmo demo, este, depois de fechar a porta, o mandou assentar junto à sua pessoa em igual cadeira e lhe disse - que não se admirasse porque todos eram iguais e cidadãos! Que as Cortes tinham decretado a liberdade da escravatura, e que S. A. R. ocultava esses papéis, a fim de conservar o infame cativeiro dos cidadãos! Que ele participasse estas verdades a todos os seus conhecidos e parceiros, a fim de que se aprontassem para matarem a seus senhores, quando ele demo, diabo ou monstro de humana figura, lhe declarasse que era tempo; e lhe ofereceu dinheiro e armas!!!.[2]

Considerado por suas posturas de um liberalismo mais radical, é improvável que o Correio do Rio de Janeiro pretendesse atemorizar os partidários da autonomia brasileira com essa notícia implausível, calcada sobre os medos mais profundos da mentalidade escravocrata, especialmente após a Revolução Francesa e a revolta de São Domingos. No entanto, é curioso que, ao valer-se do principal argumento de diversos autores portugueses para justificar a necessidade de o Brasil manter-se unido à antiga metrópole, transforme os liberais

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Forum

  1. Ibidem, p. 58-59.
  2. CORREIO DO RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro, n. 13, 24 abr. 1822.