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— E não me consente que lhe beije outra vez a mão?

O animo irritado do senhor da Casa Mourisca abrandou outra vez ao som d'aquellas palavras meigas. D. Luiz estendeu a mão a Bertha, que lh'a beijou chorando.

Ao sentir-lhe as lagrimas o fidalgo ergueu-lhe amigavelmente a cabeça, perguntando-lhe:

— Porque choras, Bertha?

— Porque sinto que já não me tem a amizade que d'antes me tinha.

— Criança — disse o fidalgo com uma brandura que havia muito tempo ninguem conhecêra n'elle — que tens tu com as paixões áridas das nossas almas de homens? Os entes como tu e como aquelle que eu perdi, nasceram para as dissipar e não para soffrel-as.

E cedendo á commoção que de novo a dominava, o severo e implacavel D. Luiz, com admiração crescente de frei Januario, apertou a afilhada nos braços e poisou-lhe na fronte um beijo, como os que dava em Beatriz.

E ao separar-se d'aquelle logar ia outra vez com as lagrimas nos olhos.

Ao fim da avenida, d'onde se avistava o portão, voltou-se. Bertha permanecia no mesmo sitio, a seguil-o com a vista.

— Repare, frei Januario, repare; a quem vê d'aqui, a distancia, não parece mesmo a minha Beatriz, quando nos esperava á porta da Casa Mourisca?

— Sim, as raparigas ao longe todas se parecem; mas olhe que é noite fechada, snr. D. Luiz.

— Jesus! e agora a dizer-me adeus! — continuava D. Luiz, dizendo adeus tambem — é mesmo aquelle anjo que eu perdi. Fujamos, fujamos d'estes sitios, que tenho medo de enlouquecer.

— E até porque é noite fechada — acrescentou o padre. — Valha-nos Deus!

Depois de longo tracto de caminho andado em silencio, D. Luiz parou, e levantando os olhos ao céo, exclamou com paixão:

— Que tremendas culpas estou eu expiando, meu Deus! Porque me roubas tudo, para tudo dares áquelle