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d'aquelle honrado velho. Faltava-me o alento para tental-o. Preferia dar-lhe em holocausto o meu coração. E o sacrificio devia ser definitivo, porque a memoria de meu pae o exigiria de mim, impôr-m'o-ia tão fortemente como elle proprio. Mas, se este amor fosse correspondido, faltar-me-ia o animo e até o direito de o sacrificar assim. Por isso fugi de me revelar, Bertha, por isso tentei antes fazer-me aborrecido do que estimado de si, de quem eu apreciaria o amor como um dom do céo. Creia. Por isso aceitei com o coração a despedaçar-se-me, mas com certo doloroso prazer, a missão de que me encarregou Clemente. Deus sabe o que eu soffria ha pouco. A sua condescendencia torturava-me, nas suas hesitações julgava descobrir vestigios de uma affeição... por Mauricio. D'ahi vieram todas as loucuras que eu disse. Eis o segredo do meu coração, Bertha, eis o mysterio das minhas acções. Agora julgue-me e perdoe-me. Bem vê que tambem soffro.

E, terminando estas palavras, Jorge inclinou a fronte sobre a mão, como se o esforço que fizera o tivesse extenuado.

Bertha foi d'esta vez a que primeiro interrompeu aquelle silencio eloquente de paixão; com a voz ainda sobresaltada, mas com o olhar seguro, ella respondeu apertando a mão de Jorge:

— A sua confidencia leal e a sua generosidade deu-me coragem de ser tambem sincera. Jorge, repare; sem o menor receio nem hesitação, com o olhar erguido diante do seu, vencida por a confiança que se sente em uma alma tão nobremente generosa, tambem lhe faço a minha confidencia. Jorge... eu também o amava...

Jorge ergueu a cabeça ao ouvir a inesperada declaração, e por momentos brilhou-lhe no rosto um clarão de alegria.

Bertha, baixando timidamente os olhos, continuou:

— Sim, tambem o amava; mas tambem tinha comprehendido a necessidade do sacrificio de que falla, e não serei de certo eu quem lhe tire o animo de realisal-o. É antes para lhe dar coragem que lhe fallo assim;