Página:Os Fidalgos da Casa Mourisca (I e II).pdf/376

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— De certo que havemos de fallar muito de Beatriz.

— Muito bem — exclamou Thomé da Povoa — pois então ahi lh'a deixo, fidalgo, e vou á minha vida.

Gomprehendeu D. Luiz que não devia ficar inferior em generosidade ao seu antigo criado.

Assim que Thomé, fazendo-lhe uma cortezia, se dispunha a transpôr a porta para sahir, o fidalgo reteve-o estendendo-lhe-a mão, e disse-lhe n'aquelle tom solemne que lhe era habitual:

— Thomé da Povoa, não se retire sem que eu lhe aperte a mão. Bem vê que é a maneira que tenho de remir dividas d'estas.

— Com todo o gosto, fidalgo.

E o honrado lavrador aproximou-se do leito e apertou nas suas mãos robustas a mão magra e aristocratica do senhor da Casa Mourisca, dizendo, com a expansão de enthusiastica sympathia que tinha em excesso na alma:

— Póde acreditar, fidalgo, que aperta a mão de um amigo.

D. Luiz fez um gesto silencioso de acquiescencia.

Thomé da Povoa, quando sahiu da sala, levava nos olhos um brilho denunciador de commoção.

Todas as scenas e acções generosas exerciam n'elle este effeito.

Bertha ficou só com o padrinho. Com aquelle instincto de actividade e de ordem natural á indole feminina entrou immediatamente no exercicio de suas funcções, dispondo os preparativos para a leve refeição do doente, da qual ella se encarregára ao encontrar no corredor um criado com a bandeja na mão.

Trabalhando e conversando, Bertha tinha já aquelles ares de familiaridade, que naturalmente assumem as mulheres no tracto da casa que dirigem.

Tomára posse d'aquelle terreno como de dominio seu, e dentro em pouco a influencia dos seus cuidados fazia-se já sentir na apparencia de ordem e de methodo que alli dentro vestira tudo.

D. Luiz seguia-a com olhos de satisfação. Parecia-lhe que ella só povoava o quarto.