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tentassemos desenredar, a pouco e pouco, esta meiada, que nos enleia e que nos ha de afogar a todos.

--Ora é boa! E então o que é que eu faço, o que é que estou fazendo ha quasi trinta e oito annos em que o snr. D. Luiz me distingue com a sua confiança? Mas a coisa não é tão facil, como lhe parece. É boa!

--Mas quaes são os seus planos, padre Januario, qual é o seu systema de administração?

--Os meus planos?!... Ora essa!... Então que planos quer que sejam os meus? Systema de administração!... isso é phrase de côrtes... Humh! tenho entendido... É o que eu digo... Ó snr. Jorge, ora falle-me a verdade, ahi andam ideias de liberalismo. Com quem fallou esta manhã? ora diga.

--Venham d'onde vierem as ideias. A origem pouco importa, a questão é que ellas sejam boas. Eu não tracto de liberaes nem de absolutistas agora. Vejo que a minha casa se perde, vejo cahirem os muros e nunca se repararem; vejo campos e campos sem a menor cultura, encontro em tudo quanto nos pertence profundos signaes de decadencia, e quero saber a grandeza do mal que nos opprime.

--E se fôr grande o mal, o que quer que se lhe faça?

--Quero que se trabalhe para remedial-o; que se façam sacrificios uteis, que deixemos a louca vergonha e o orgulho enfatuado que nos faz viver hoje ainda uma vida que não é d'estes tempos. Desenganemo-nos; a época não é de privilegios nem de isenções nobiliarias, é de trabalho e de actividade. Plebeu é hoje só o ocioso, nobre é todo o que se torna util pelo trabalho honrado.

--Jesus! O que ahi vae! O que ahi vae! Eu bem o digo! Ha liberal na costa! Isso é tão certo como dois e dois serem quatro. Se o pae o ouvia!

--Ha de ouvir-me, porque tenciono hoje mesmo fallar-lhe.

--Que vae fazer, snr. Jorge?

--O meu dever. Eu e meu irmão seremos um dia os representantes da nossa familia. Para que nos orgulhemos do nome que herdamos, é necessario que esse nome não tenha manchas e que nós lh'as não lancemos.