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--Mas quem lhe diz, quem lhe falla em manchas? Ora... ora... ora... ora esta não está má!

--Frei Januario, eu não sou criança, repito-o. Sel-o-ia hontem, hoje não o sou já. Faça de conta que o sol d'esta manhã me amadureceu. Por isso não me illudo emquanto á natureza dos meios com que se sustenta ainda n'esta casa um resto do esplendor de antigos tempos. Pois mais valeria comer em louça nacional e vender as matilhas e os dois cavallos de luxo, que ainda temos, para comprar dois bois.

--Mas...

--Até logo, frei Januario, conversaremos mais de espaço sobre isto.

--Mas...

Jorge, sem o attender, dispunha-se a sahir, quando o padre, quasi assustado, o chamou.

--Mas venha cá. Ouça-me, valha-me Deus! Olhem que homem este! Tem muita razão no que diz. Sim, senhor. As coisas não vão bem. Hoje não é hontem; e esta casa já viu melhores tempos do que os que correm. Mas de quem é a culpa? É de mim ou do senhor seu pae? Pois não foste! Para remediar o mal trabalhamos nós ha muito. A culpa é d'esta gente que nos governa, d'estes homens que juraram perder tudo quanto era nobreza para poderem á vontade fazer das suas, sem ter quem lhe vá á mão. Percebe agora? Desde que os liberaes...

--Por quem é, frei Januario, não me venha outra vez com os liberaes. Eu tenho a razão bastante clara para vêr as coisas como ellas são, e não me deixar levar por essa cantiga do costume. Os liberaes!... Os liberaes o que fizeram foi alliviar a agricultura dos enormes encargos que d'antes pesavam sobre ella e que não a deixavam prosperar, foi crear leis e instituições que facilitassem os esforços dos laboriosos e castigassem severamente a incuria e a ociosidade. Quando ao desopprimir-se o lavrador de tributos pesados e iniquos e dos odiosos vexames do fisco, ao tornarem-se-lhe mais faceis os contractos e as transmissões da propriedade, ao crearem-se-lhe recursos para elle tirar do seu trabalho