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E Jorge sahiu da sala, deixando o egresso apatetado com o que ouvira.

--Que anda aqui liberalismo, isso para mim é de fé. Mas que mosca o morderia? Querem vêr que já fizeram do rapaz mação? Pois olhem que não é outra coisa. Eu quando os ouço fallar muito do trabalho... já estou de pé atraz. Tem graça! Quem os ouvir, persuade-se de que o trabalho é um prazer. Ora adeus! O trabalho é uma necessidade, o trabalho é um castigo. Para ahi vou eu. Que trabalho tinha Adão no paraizo? E não lhe chamam os livros sagrados um logar de delicias? Amassar o pão com o suor do rosto, olhem que titulo de nobreza! Estes modernismos! Mas é a cantiga da moda. O trabalho ennobrece, o trabalho consola, o trabalho é uma coisa muito appetitosa... Será, será, mas eu, por mim, se pudesse deixar de trabalhar... Ah! ah! ah.

Aqui bocejava o egresso.

--Mas que alli anda liberalismo, isso é tão certo como eu estar onde estou. Como elle fallou nos morgados!... Provará que é tão pateta que, sendo elle morgado, diz d'aquillo. E que vae declarar ao pae... Não declara nada. Um criançola que não sabe senão passear. Tomára elle que o deixem... O ocioso é que é o plebeu, o nobre é o que trabalha. Sim, sim, contem-me d'essas. Aquillo é musica de anjos. Diga-se o que é verdade, quem puder deixar de trabalhar...

Frei Januario, n'estas graves ponderações, deixou-se a pouco e pouco invadir pelo somno, e acabou por adormecer á mesa, sonhando-se em uma especie de paraizo, como o tal logar de delicias de Adão, cuja ociosidade sempre fôra objecto muito dos seus enlevos.

Deixemol-o adormecido, e vamos ter com Jorge a um dos menos arruinados angulos da Casa Mourisca.