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gira certos negocios, o desleixo em que deixára outros, a illegalidade de certos actos, os riscos em que puzera parte dos bens da casa. O padre suava, torcia-se, esfregava a testa, entrava em explicações confusas d'onde com muito custo sahia, titubiava, gemia, protestava, limpava os oculos, chamava em seu auxilio céos e terra; mas tudo era inutil poeira de encontro á paciencia e fleugma com que Jorge o interrogava ou lhe fazia qualquer observação que, sem ser formulada como censura, feria no vivo a susceptibilidade do padre. Em uma palavra, o resultado da conferencia foi exactamente o opposto ao que frei Januario prognosticára. Quem d'elle sahiu atordoado, desgostoso e disposto devéras a não querer saber mais da administração da casa, foi o padre e não o rapaz.

Frei Januario viu com espanto esboroar-se o edificio da sua experiencia, em cuja solidez elle proprio tinha a ingenuidade de acreditar, ao simples sôpro de uma criança. A impressão que lhe ficou d'este apertado inquerito foi tal, que o pobre homem passou a sentir um entranhado mêdo de Jorge, e a empallidecer só com a lembrança de uma scena como aquella.

Sempre que Jorge lhe dirigia a palavra d'ahi por diante, já o padre previa com terror uma interpellação e ficava nervoso! Muito mais se D. Luiz estivesse presente.

Assim pois, graças a estes mêdos, frei Januario em vez de tornar-se vigilante em relação aos actos de Jorge, tractou de evital-o tanto, quanto podia.

O desgraçado persuadira-se de que tinha commettido tantas faltas na sua administração, que o seu desejo era vêr passar já sobre ellas muitos annos para desvanecer-lhes os vestigios.

Jorge ficou pois completamente á vontade. D. Luiz, interrogando o capellão, ouvira d'elle que Jorge estava habilitadissimo para administrar a sua casa. Foi quanto bastou ao fidalgo para confiar cegamente no filho e para annuir sem exame a todos os seus projectos, como por tantos annos fizera aos do padre.

Portanto, sem desconfiança de pessoa alguma, pôde