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OS MAIAS
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da dôr do dr. juiz de direito. Costumava dar-lhe todos os tres mezes: e era condemnavel a sua teima em não querer consultar medicos. Quanto mais que elle andava acabado, ressequindo, amarellando — ­e a D. Augusta, a mulher, a nutrir á larga, a ganhar côres!... A Viscondessa, enterrada em toda a sua gordura ao canto do canapé, com o leque aberto sobre o peito, contou que em Hespanha vira um caso egual: o homem chegara a parecer um esqueleto, e a mulher uma pipa; e ao principio fôra o contrario; até sobre isso se tinham feito uns versos...

— ­Humores, disse com melancolia o dr. delegado.

Depois fallou-se nas Brancos; recordou-se a morte de Manuel Branco, coitadinho, na flor de idade! E que perfeição de rapaz! E que rapaz de juizo! D. Anna Silveira não se esquecera, como todos os annos, de lhe accender uma lamparina por alma, e de lhe resar tres padre-nossos. A viscondessa pareceu toda afflicta por se não ter lembrado... E ella que tinha o proposito feito!

— ­Pois estive para t’o mandar dizer! exclamou D. Anna. E as Brancos que tanto o agradecem, filha!

— ­Ainda está a tempo, observou o magistrado.

D. Eugenia deu uma malha indolente no crochet de que nunca se separava, e murmurou com um suspiro:

— ­Cada um tem os seus mortos.

E no silencio que se fez, saiu do canto do canapé outro suspiro, o da viscondessa, que de certo se recordára do fidalgo d’Urigo de la Sierra, e murmurava: