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OS MAIAS

— ­Cada um tem os seus mortos...

E o digno dr. delegado terminou por dizer egualmente, depois de passar reflectidamente a mão pela calva:

— ­Cada um tem os seus mortos!

Uma somnolencia ia pesando. Nas serpentinas douradas, sobre as consoles, as chammas das velas erguiam-se altas e tristes. Eusebiosinho voltava com cautella e arte as estampas dos Costumes de todos os Povos. E na saleta de jogo, atravez do reposteiro aberto, sentia-se a voz já arrenegada do abbade, rosnando com um rancor tranquillo, «passo, que é o que tenho feito toda a santa noite!»

N’esse momento Carlos arremettia pela sala dentro arrastando a sua noiva, a Theresinha, toda no ar e vermelha de brincar; e logo a grulhada das suas vozes reanimou o canapé dormente.

Os noivos tinham chegado d’uma pittoresca e perigosa viagem, e Carlos parecia descontente de sua mulher; comportara-se d’uma maneira atroz; quando elle ia governando a mala-posta, ella quizera empoleirar-se ao pé d’elle na almofada... Ora senhoras não viajam na almofada.

— ­E elle atirou-me ao chão, titi!

— ­Não é verdade! De mais a mais é mentirosa! Foi como quando chegámos á estalagem... Ella quiz-se deitar, e eu não quiz... A gente, quando se apeia de viagem, a primeira cousa que faz é tratar do gado... E os cavallos vinham a escorrer...

A voz de D. Anna interrompeu, muito severa: