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OS MAIAS
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nervosa, lembrou logo a Carlos que o vira no verão passado em Paris, no salão baixo do Café Inglez: até por signal estava n’essa noite um velho abominavel com duas garrafas vazias diante de si, e contando alto, para uma meza defronte, historias horrorosas do sr. Gambetta: um sujeito ao lado protestou; o outro não fez caso, era o velho duque de Grammont. O conde passou os dedos lentos pela testa, com um ar quasi angustioso: não se lembrava de nada d’isso! Queixou-se logo amargamente da sua falta de memoria. Uma cousa tão indispensavel em quem segue a vida publica, a memoria! e elle desgraçadamente, não possuia nem um atomo. Por exemplo, lera (como todo o homem devia lêr) os vinte volumes da Historia Universal de Cesar Cantu; lêra-os com attenção, fechado no seu gabinete, absorvendo-se na obra. Pois, senhores, escapara-lhe tudo — ­e ali estava sem saber historia!

— ­V. ex.ª tem boa memoria, sr. Maia?

— ­Tenho uma rasoavel memoria.

— ­Inapreciavel bem de que goza!

A condessa voltara-se para a platéa, coberta com o leque, com o ar constrangido, como se aquellas palavras pueris do marido a diminuissem, a desfeiassem... Carlos então fallou da opera. Que bello escudeiro huguenote fazia o Pandolli! A condessa não aturava o Corcelli, o tenor, com as suas notas asperas e aquella obesidade que o tornava buffo. Mas tambem (lembrava Carlos) onde havia hoje tenores? Passara essa grande raça dos Marios, homens de belleza,