Saltar para o conteúdo

Página:Os Maias - Volume 1.djvu/198

Wikisource, a biblioteca livre
188
OS MAIAS

do Minho, «esse paraiso idillico.» O conde sorria: via ali, como elle observou a Carlos, batendo amavelmente no hombro do Ega, a rivalidade das duas provincias. Emulação fecunda, de resto, no seu pensar...

— ­Ahi está, por exemplo, dizia elle, o ciume entre Lisboa e Porto. É uma verdadeira dualidade como a que existe entre a Hungria e a Austria... Ouço por ali lamental-a. Pois bem, eu, se fosse poder, instigal-a-hia, acirral-a-hia, se v. ex.as me permittem a expressão. N’esta lucta das duas grandes cidades do reino, podem outros vêr despeitos mesquinhos, eu vejo elementos de progresso. Vejo civilisação!

Proferia estas cousas como do alto d’um pedestal, muito acima dos homens, deixando-as providamente caír dos thesouros do seu intellecto á maneira de dons inestimaveis. A voz era lenta e rotunda; os cristaes da sua luneta d’ouro faiscavam vistosamente; e no bigode encerado, na pera curta, havia ao mesmo tempo alguma cousa de doutoral e de casquilho.

Carlos dizia: «Tem v. ex.ª razão, sr. conde.» O Ega dizia: «Você vê essas cousas d’alto, Gouvarinho». Elle cruzara as mãos por baixo das abas da casaca — ­e estavam todos tres muito serios.

Depois o conde abriu a porta da friza, Ega desappareceu. E d’ahi a um momento, Carlos, apresentado como «visinho de camarote», recebia da sr.ª condessa um grande shake-hand, em que tilintaram uma infinidade d’aros de prata e de blangles indios sobre a sua luva preta de doze botões.

A sr.ª condessa, um pouco corada, ligeiramente