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OS MAIAS

fallar da mamã, amigo Alencar, que eu sei perfeitamente que ella fugiu com um italiano!

E isto fêl-o insensivelmente recordar da maneira como essa lamentavel historia lhe fôra revelada, em Coimbra, n’uma noite de troça, quasi grotescamente. Por que o avô, obdecendo á carta testamentaria de Pedro, contara-lhe um romance decente: um casamento de paixão, incompatibilidades de naturezas, uma separação cortez, depois a retirada da mamã com a filha para a França, onde tinham morrido ambas. Mais nada. A morte de seu pae fôra-lhe apresentada sempre como o brusco remate d’uma longa nevrose...

Mas Ega sabia tudo, pelos tios... Ora uma noite tinham ceiado ambos; Ega muito bebedo, e n’um accesso de idealismo, lançara-se n’um paradoxo tremendo, condemnando a honestidade das mulheres como origem da decadencia das raças: e dava por prova os bastardos, sempre intelligentes, bravos, gloriosos! Elle, Ega, teria orgulho se sua mãe, sua propria mãe, em logar de ser a santa burgueza que resava o terço á lareira, fosse como a mãe de Carlos, uma inspirada, que por amor d’um exilado abandonara fortuna, respeitos, honra, vida! Carlos, ao ouvir isto, ficara petrificado, no meio da ponte, sob o calmo luar. Mas não poude interrogar o Ega, que já taramellava, agoniado, e que não tardou a vomitar-lhe ignobilmente nos braços. Teve de o arrastar á casa das Seixas, despil-o, aturar-lhe os beijos e a ternura borracha, até que o deixou abraçado ao travesseiro,