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OS MAIAS

Ao fim d’um anno de disturbios no Marrare, de façanhas nas esperas de toiros, de cavallos esfalfados, de pateadas em S. Carlos, começaram a reapparecer as antigas crises de melancolia nervosa; voltavam esses dias taciturnos, longos como desertos, passados em casa a bocejar pelas salas, ou sob alguma arvore da quinta todo estirado de bruços, como despenhado n’um fundo de amargura. N’esses periodos tornava-se tambem devoto: lia Vidas de Santos, visitava o Lausperenne: eram d’esses bruscos abatimentos d’alma que outr’ora levavam os fracos aos mosteiros.

Isto penalisava Affonso da Maia: preferia saber que elle recolhera de Lisboa, de madrugada, exhausto e bebedo, — ­do que vel-o, de ripanço debaixo do braço, com um ar velho, marchando para a Egreja de Bemfica.

E havia agora uma idéa que, a seu pesar, às vezes o torturava: descobrira a grande parecença de Pedro com um avô de sua mulher, um Runa, de quem existia um retrato em Bemfica: este homem extraordinario, com que na casa se mettia medo ás creanças, enlouquecera — ­e julgando-se Judas enforcara-se n’uma figueira...

Mas um dia, excessos e crises findaram. Pedro da Maia amava! Era um amor á Romeu, vindo de repente n’uma troca de olhares fatal e deslumbradora, uma d’essas paixões que assaltam uma existencia, a assolam como um furacão, arrancando a vontade, a rasão, os respeitos humanos e empurrando-os de roldão aos abysmos.