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OS MAIAS
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N’uma tarde, estando no Marrare, vira parar defronte, á porta de M.me Levaillant, uma caleche azul onde vinha um velho de chapéo branco, e uma senhora loira, embrulhada n’um chale de Cashmira.

O velho, baixote e reforçado, de barba muito grisalha talhada por baixo do queixo, uma face tisnada d’antigo embarcadiço e o ar gôche, desceu todo encostado ao trintanario como se um rheumatismo o tolhesse, entrou arrastando a perna o portal da modista; e ella voltando de vagar a cabeça olhou um momento o Marrare.

Sob as rosinhas que ornavam o seu chapeu preto os cabellos loiros, d’um oiro fulvo, ondeavam de leve sobre a testa curta e classica: os olhos maravilhosos illuminavam-n’a toda; a friagem fazia-lhe mais pallida a carnação de marmore: e com o seu perfil grave de estatua, o modelado nobre dos hombros e dos braços que o chale cingia — ­pareceu a Pedro n’esse instante alguma cousa d’immortal e superior á terra.

Não a conhecia. Mas um rapaz alto, macilento, de bigodes negros, vestido de negro, que fumava encostado á outra hombreira, n’uma pose de tedio — ­vendo o violento interesse de Pedro, o olhar acceso e perturbado com que seguia a caleche trotando Chiado acima, veiu tomar-lhe o braço, murmurou-lhe junto á face na sua voz grossa e lenta:

— ­Queres que te diga o nome, meu Pedro? O nome, as origens, as datas e os feitos principaes? E pagas ao teu amigo Alencar, ao teu sequioso Alencar, uma garrafa de Champagne?