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Página:Os Maias - Volume 1.djvu/372

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OS MAIAS

E continuou ao espelho, gosando a sua figura esguia, as pennas da gorra, os sapatos bicudos de velludo, e a ponta flamante da espada erguendo o manto por traz, n’uma prega fidalga.

— ­Mas então, disse Carlos, apparecendo a enxugar as mãos, tu não fazes idéa do que se passou, o que elle diria á mulher, o escandalo...

— ­Não faço idéa nenhuma, disse o Ega, agora mais sereno. Quando entrei na primeira sala estava elle, de beduino; estava um outro sujeito d’urso, e uma senhora não sei de que, de Tyrollesa creio eu... Elle veiu para mim, e disse-me aquillo: ponha-se fóra! Não sei mais nada... Nem posso perceber... O canalha, se descobriu, naturalmente, para não estragar a festa, não disse nada a Rachel... Depois é que ellas são!

Ergueu as mãos para o ceu, murmurou:

— ­É horroroso!

Deu ainda uma volta pelo quarto, e depois n’uma outra voz, franzindo a face:

— ­Não sei que diabo aquelle Godefroy me deu para collar as sobrancelhas, que me picam que tem diabo!

— ­Tira-as...

Deante do espelho, Ega hesitava em desmanchar o seu semblante feroz de Santanaz. Mas arrancou-as por fim — ­e a gorra emplumada, muito justa, que lhe escaldava a cabeça. Então Carlos lembrou-lhe que, para ir a casa do Craft, se desembaraçasse do manto e da espada, se agasalhasse n’um paletot d’elle. Ega deu ainda um longo e mudo olhar ao seu flamejante