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Página:Os Maias - Volume 1.djvu/373

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OS MAIAS
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traje infernal, e com um profundo suspiro começou a desafivelar o talim. Mas o paletot era muito largo, muito comprido; teve de lhe dar uma dobra nas mangas. Depois Carlos metteu-lhe um bonet escossez na cabeça. — ­E assim arranjado, com as canellas vermelhas de diabo apparecendo sob o paletot, a gargantilha escarlate á Carlos IX emergindo da gola, a velha casqueta de viagem na nuca, o pobre Ega tinha o ar lamentavel d’um Satanaz pelintra, agasalhado pela caridade d’um gentleman, e usando-lhe o fato velho.

Baptista allumiou, grave e discreto. Ega ao passar por elle, murmurou:

— ­Isto vae mal, Baptista, isto vae mal...

O velho creado teve um movimento triste d’hombros, como significando que nada no mundo ia bem.

Na rua negra, a parelha quieta dobrava a cabeça sob a chuva. O Canhoto, ao ouvir fallar d’uma gorgeta de libra, fez um grande espalhafato, rompeu ás chicotadas; e a velha traquitana lá partiu a galope, a escorrer d’agua, atroando a calçada.

Por vezes um coupé particular crusava-os, os casacos de gutta-perche dos criados branquejavam á luz das lanternas. Então a idéa da festa que devia agora resplandecer; Margarida ignorando tudo, walsando nos braços d’outros, anciosa, á espera d’elle; a ceia depois, o champagne, as cousas brilhantes que elle teria dito — ­todas estas delicias perdidas se vinham cravar no coração do pobre Ega, arrancavam-lhe pragas surdas, Carlos fumava silenciosamente, com o pensamento no Hotel Central.