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Os topônimos com a posposição tupi -pe no território brasileiro
INTRODUÇÃO

Poucas décadas após o Descobrimento, sabia-se que, ao longo da costa brasileira, havia diversas nações indígenas de mesma língua: tupis, tupinambás, caetés, potiguaras, tupiniquins, temiminós, tupinaés, tabajaras etc. (Rodrigues, 1986). A língua desses povos passou a ser aprendida pelos portugueses já em 1500, quando a armada de Cabral, ao partir para a Índia, deixou na Bahia degredados para viverem com os tupiniquins com os quais os portugueses haviam-se avistado nos dias em que ali estiveram.

Diferentemente da colonização de povoamento da Nova Inglaterra, na costa nordeste dos Estados Unidos de hoje, o Brasil conheceu uma colonização de exploração. Foi Caio Prado Júnior, baseado nas ideias do economista francês Leroy-Beaulieu, quem primeiro utilizou tal classificação para analisar a formação histórico-econômica do Brasil (Monasterio, 2015). Para cá, imigravam principalmente homens desejosos de oportunidades de enriquecimento rápido. Não era comum imigrarem famílias inteiras, como aconteceu naquele país de colonização inglesa. O reduzido número de mulheres brancas que ao Brasil chegavam levou à intensa mestiçagem desde os primeiros tempos da nova colônia. No Brasil, também aportava gente de reputação ruim, muitos degredados, aos quais se juntavam traficantes franceses de pau-brasil, corsários etc. Muitos deixavam filhos na terra, mamelucos que falariam mais a língua indígena de suas mães do que a língua europeia de seus pais (Ribeiro, 1999).

Diferentemente da colonização da América espanhola, a colonização do Brasil no século XVI foi eminentemente litorânea. A língua da costa, falada ao longo de milhares de quilômetros, precisou ser aprendida pelos europeus e pelos africanos imigrados à força a partir da década de trinta do século XVI. Falava-se na costa o tupi antigo, língua que tinha parentesco com a língua do Paraguai, o guarani antigo (Rodrigues, 1986), onde os espanhóis se estabeleceram nos anos trinta do século XVI. Tal língua da costa também era falada ao longo do rio Tietê (ou Anhembi), por mais de quinhentos quilômetros pelo interior adentro (Prezia, 2000). Mais tarde também se soube que os falantes dessa língua entravam pela foz do grande rio chamado ‘Pará’ pelos índios. Tal era o nome indígena daquele que seria conhecido como ‘rio das Amazonas’ ou, simplesmente, ‘Rio Amazonas’ (Bessa Freire, 2004). Para designar tal língua, “... o nome Tupi se torna usual somente no século XIX” (Rodrigues, 1986, p. 100).

Anchieta (1954, p. 613) deixou evidente o que significava tal designativo num diálogo entre dois personagens de seu auto teatral “Na Aldeia de Guaraparim” (vv. 183-189):

- Paranagoaçu raçapa,

ibitiribo guibebebo,

aço tupi moangaipapa

....

- Bae apiaba paipó?

- Tupinaquija que igoara

- Atravessando o grande mar,

voando pela serra,

vou para fazer os tupis pecarem.


- Que índios são esses?

- Os tupiniquins, habitantes daqui.

Vê-se, aqui, que o termo ‘tupi’ era genérico, um hiperônimo: “Isto é, Anchieta está a reconhecer aí que tupiniquim é um termo compreendido no termo tupi.... Ao fazer seu personagem perguntar ‘que índios são esses’, Anchieta deixa evidente que tupi designava mais de um grupo indígena” (Navarro, 2020a, p. 44).

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