repara-lhe as avarias, aguça-lhe as pontas, eriça-o, concerta-o. Emprehende a abertura do rochedo, desconjunta a pedra mole, desnuda a pedra dura, tira a carne, deixa o osso, remeche, fura, esboraca, canalisa, põe os intestinos em communicação, enche o escolho de cellulas, imita a esponja em grande, cava o interior, esculpe o exterior.
Nessa montanha, que lhe pertence, o mar faz para si antros, sanctuarios, palacios; tem uma vegetação hedionda e esplendida; compõe-se de hervas fluctuantes que mordem e monstros que se enraizam; mette na sombra da agua essa horrivel magnificencia. No escolho isolado, ninguem o espreita, nem o incommoda; o mar desenvolve ahi a gosto o seu lado mysteriosa inaccessivel ao homem. Depõe ahi as secreções vivas e horriveis. Acha-se alli todo o ignorado do mar.
Os promontorios, os cabos, os cachopos, os arrecifes, são verdadeiras construcções. A formação geologica é pouca cousa, comparada á formação oceanica. Os escolhos, casas da vaga, pyramides da espuma, pertencem á arte mysteriosa que o autor deste livro chamou algures a Arte da Natureza, e tem uma especie de estylo enorme. Alli o fortuito parece intencional. Essas construcções são multiformes. Tem o embaraçado do polypo, a sublimidade da cathedral, a extravagancia do pagode, a amplidão da montanha, a delicadeza da joia, o horror do sepulchro. Tem velaolas como uma colmêa, latibulo como um páteo de bichos, tuneis como um combro de toupeiras, carceres como uma bastilha, emboscadas como um campo. Tem portas, mas tapadas columnas, mas truncadas, torres, mas inclinadas, pontes, mas