Página:Os trabalhadores do mar.djvu/554

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entrar curvando-se. A claridade verde da caverna penetrava ahi e illuminava-a fracamente.

Aconteceu que, esfregando a pelle entumecida, Gilliatt levantou machinalmente os olhos.

Olhou para dentro da cava.

Estremeceu.

Pareceu-lhe vêr no fundo desse buraco, na sombra, uma especie de cara rindo.

Gilliatt ignorava a palavra allucinação, mas conhecia a cousa. Os mysteriosos encontros com o inverosimil que chamamos allucinações, existem na natureza. Illusões ou realidades, as visões apparecem. Quem está presente, vê-as passar. Gilliatt, como dissemos, era um pensativo. Tinha a grandeza de ser ás vezes allucinado como um propheta. Não se é impunemente sonhador dos lugares solitarios.

Acreditou em uma dessa miragens das quaes, homem nocturno como era, mais de uma vez teve medo.

A anfractuosidade figurava exactamente um forno de cal. Era um nicho baixo, em fórma de asa de cesto, cujas curvaturas abruptas iam extreitando-se até á extremidade da crypta onde os seixos e a abobada se juntavam e fechavam.

Gilliatt entrou, e inclinando a cabeça, dirigio-se para o que estava no fundo.

Era com effeito alguma cousa que ria.

Era uma caveira.

Só havia a cabeça, havia o esqueleto.

Um esqueleto humano estava deitado na cava.

O olhar de um homem audaz, em taes occasiões, quer saber das cousas a fundo.