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PETER PAN

— Está claro que não leu, observou Emilia. Ele só lê ratos. Lê com os dentes...

— Se leu, conte, vóvó! gritou Narizinho. Andamos ansiosos por conhecer a historia desse famoso menino.

— Muito bem, disse dona Benta. Como hoje já é muito tarde, começarei a historia amanhã, ás sete horas. Fiquem todos avisados.

No dia seguinte, de tardinha, a curiosidade dos meninos começou a crescer. A's seis e meia já estavam todos na sala, em redor da mesa, á espera da contadeira. Emilia olhava para o relogio pensativamente. Quem entrasse em sua cabeça havia de encontrar lá esta asneirinha : "Que pena os relogios não andarem de galope, como os cavalos! Nada me amola tanto como esta maçada de esperar que chegue a hora das coisas — a hora de brincar, a hora de dormir, a hora de ouvir historias..."

Pedrinho matava o tempo arrepiando xizes no veludo de uma velha almofada — com o dedo. E Narizinho, no seu vestido novo de rosinhas côr de rosa, fazia exercicio de "parar de pensar" — uma coisa que parece facil mas não é. A gente, por mais que faça, pensa sem querer.

Faltava o visconde. O velho sabio, depois que se meteu a estudar matematicas, fazia tudo com "precisão matematica", que é como se diz das pessoas que não fazem as coisas mais ou menos, e sim certinho. Quando bateu sete horas ele entrou, em sete passadas, cada uma correspondendo a uma pancada do relogio. Logo depois surgiu dona Benta.

— Viva vóvó! gritaram os meninos.

— Viva a historia que ela vai contar ! berrou Emilia.

Dona Benta sentou-s na sua cadeira de pernas serradas, subiu para a testa ps oculos de aro de ouro e começou :

— Era uma vez uma familia inglesa...