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CAPITULO II


A TERRA DO NUNCA



No outro dia, antes de dona Benta continuar a historia de Peter Pan, tia Nastacia apareceu com a sua sombra diminuida de mais um pedaço no hombro.

— Parece que é um rato que anda roendo a minha sombra, disse ela colocando-se entre o lampião de cima da mesa e a parede branquinha. Veja, sinhá, acrescentou apontando para a sombra projetada na parede. Está faltando mais um pedaço, bem no hombro. Neste andar eu acabo sem sombra nenhuma. Isto é uma desgraça.

— Não acho, disse Narizinho. Tanto faz você ter sombra como não ter. De que vale sombra?

— Parece, menina, parece que não vale nada, respondeu a negra. Mas o mundo é malvado, e se sabem que eu não tenho sombra são capazes até de me queimarem viva, como fizeram com a coitadinha da Joana do Arco.

— Joana Dare...

— Ou isso. O mundo dá cabo de toda a gente que não é igual a todos os outros. Dona Joana tinha olhos melhores que os do resto das gentes e porisso via mais coisas, tinha visões. Eles foram e queimaram a coitada. Se me enxergarem sem sombra são capazes de dizer que sou feiticeira, O mundo é mau, menina. Crédo...

— Isso não, gritou Emilia. O mundo persegue os que são mais que os outros, como essa Joana Darc, que enxergava mais; mas você é menos, porque tem menos sombra. Logo...

— Deixem de bobagens, disse dona Benta e vamos continuar a historia do menino que não queria crescer.