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OCCIDENTAES
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      «Pelo Deus que ambos adoramos, falla,
      «Dize a esta alma se é dado inda escutal-a
      «No Eden celeste a virgem que ella chora
         «Nestes retiros sepulchraes,
«Essa que ora nos ceus anjos chamam Lenora!»
         E o corvo disse: «Nunca mais.»

         «Ave ou demonio que negrejas!
         «Propheta, ou o que quer que sejas!
«Cessa, ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa!
         «Regressa ao temporal, regressa
      «Á tua noite, deixa-me commigo.
      «Vae-te, não fique no meu casto abrigo
      «Pluma que lembre essa mentira tua.
         «Tira-me ao peito essas fataes
«Garras que abrindo vão a minha dor já crua.»
         E o corvo disse: «Nunca mais.»

         E o corvo ahi fica; eil-o trepado
         No branco marmore lavrado
Da antiga Pallas; eil-o immutavel, ferrenho.
         Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
      Um demonio sonhando. A luz cahida
      Do lampeão sobre a ave aborrecida
      No chão espraia a triste sombra; e fóra
         D’aquellas linhas funeraes
Que fluctuam no chão, a minha alma que chora
         Não sai mais, nunca, nunca mais!