Página:Revista Kósmos - ano 1907 - edição 03.pdf/8

Wikisource, a biblioteca livre
KOSMOS
POR DARWIN
(CONTINUADO DO N. 2 D'ESTE ANNO)
HISTORIA DOS CRUSTACEOS
CAPITULO II
AS ESPECIES DE MELITA

Uma supposição falsa, quando as consequencias que d'ella decorrem, se desdobram cada vez mais, conduz, cedo ou tarde, ao absurdo e á contradicções palpaveis.

Durante o periodo cruciante da duvida — e este não foi curto — em que o fiel da balança oscillava ante mim em perfeita incerteza entre os pro e os contra; e quando todo e qualquer facto conduzindo á uma prompta decisão teria sido bem vindo, não tive o menor trabalho em avaliar quaesquer contradicções entre as consequencias fornecidas á classe dos crustaceos, pela theoria Darwinista. Pois eu não as encontrei, nem então nem depois. Aquellas que eu pensava ter achado, foram dissipadas em mais intima consideração ou, converteram-se actualmente em sustentaculos para a theoria de Darwin.

Nem, tanto quanto eu saiba, qualquer das consequencias necessarias das hypotheses de Darwin, foi provada, por quem quer que fosse, em clara e irreconciliavel contradição. E entretanto, visto como existem os mais profundos investigadores do reino animal entre os antagonistas de Darwin, parece que devia lhes ser facil esmagal-o, de ha muito, sob a massa das illações absurdas e contradictorias, se taes decorressem da sua theoria.

Á esta falta de contradicções demonstradas, eu penso que podemos attribuir, justamente, a mesma importancia á favor de Darwin que os seus antagonistas attribuiram á ausencia de formas intermediarias, entre as especies dos diversos sedimentos geologicos.

Independentemente de que as razões que Darwin deu da conservação de taes formas intermediarias, sejam apenas excepcionaes, a circumstancia por ultimo mencionada não será de grande significação, para todo aquelle que traçou o desenvolvimento de um animal, desde as larvas pescadas no oceano, e teve de procurar em vão, durante mezes e mesmo annos, por essas formas transicionaes que, apesar disso, veio a saber, formigavam em torno da sua pessoa, aos milhares.

Poucos exemplos mostrarão de que modo as contradicções podem surtir, em resultados necessarios das hypotheses Darwinistas.

Parece uma necessidade á todos os carangueijos que permanecem por longo tempo fóra d'agua (entretanto é sem consequencia para nós, aqui) a penetração do ar detrás para dentro da cavidade branchial. Agora, esses carangueijos que se tornaram mais ou menos alheiados á agua, pertencem ás mais diversas familias — ás Raninideas (Ranina), ás Eriphineas (Eriphia gonagra), aos Grapsoideos (Aratus, Sesarma etc.) aos Ocypodideos (Gelamus, Ocypoda) etc.; e a separação d'estas familias deve ser, sem duvida alguma, referida á um periodo muito mais primitivo do que o habito de desprezar a agua, n'alguns de seus membros. As modificações relativas á respiração aerea, por isso, não poderiam ser herdados de um antepassado commum e, quando muito, estar de accordo na sua construcção.

Se houvesse tal accordo, não referivel á semelhança accidental entre elles, esse teria de ser conduzido á balança, como peso contrario á correcção das vistas de Darwin.

Eu mostrarei, mais adiante, como o resultado neste caso, longe de apresentar taes contradicções, ficou na mais completa harmonia com o que poderia ser predito pela theoria de Darwin.

Um segundo exemplo. — Já estamos informados de quatro especies de Melita (Melita valida, M. setipes, M. anisochir e M. fresnelii) e eu posso addicionar uma quinta (fig. 1), nas quaes, o segundo par de patas supporta, em um lado, uma pequena mão de estructura commum e no outro, uma enorme pinça. Esta falta de symetria é algo de tão raro entre os Amphipodes e, a estructura da pinça differe tanto do que se vê no resto desta ordem e se assemelha, tão estreitamente, nas cinco especies que, se deve encaral-as, decididamente, como tendo partido de antepassados communs, pertencendo somente a ellas, entre as especies conhecidas. Mas, á uma dessas especies, Melita fresnelii, descoberta por Savigny no Egypto, dizem faltar o flagello secundario das antennas anteriores que occorre nos outros. Da fidelidade de todas as obras de Savigny, pouco se póde duvidar na correcção d'esse facto. Agora, se a presença ou ausencia do flagello secundario, significa o caracter generico que lhe é geralmente attribuido; ou se houve outras differenças importantes, entre Melita fresnelii e as outras especies acima mencionadas, capazes de fazer natural, a separação de M. fresnelii em um genero distincto e, deixar os outros unidos ao resto das especies de Melita — isto é, no sentido da theoria Darwinista: