Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo
aîmondó benhẽ[1] peẽme.
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mando novamente a vocês.
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Marãnamo?
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Por quê?
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Opamenhẽ pe rubetéramo[2]
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De todos vocês como pai verdadeiro
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gûitekóbo[3] é,
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estando eu, na verdade,
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pe rekokatu
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da salvação de vocês
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kanhema suí[4].
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para não [haver] a perda.
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N’i katuî nhẽ kó
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Não é bom, com efeito, isto
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nhandé[5] retama pupé nhẽ;
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em nossa terra;
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pe rekó pupé
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com seus atos
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pekanhemetekatûabo[6],
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desgraçando-se vocês muitíssimo,
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xe suí,
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longe de mim,
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cristão-ramo
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como cristãos
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pe rekó pupé.
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na condição de vocês.
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Kó xe nhe’enga
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Estas minhas palavras
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aîmondó benhẽ
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envio-as de novo,
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tekoaíba suí
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do pecado[7]
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pe pysyrõagûama[8] resé.
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para o futuro livramento de vocês.
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Emonãnamo,
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Portanto,
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ta peîkugûá[9]pabẽ
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que [vocês] reconheçam todos
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pe posanga
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o remédio de vocês
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peẽme xe remimondó.[10]
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para vocês enviado de mim.
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Aîkó niã ixé
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Estou eu, com efeito,
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peẽme opamenhẽ ma’e
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a vocês todas as coisas
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monhangagûama resé.
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para fazer futuramente.
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Sasyeté ã[11]
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É muito dolorosa, isso é,
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- ↑ Uenhe, no original (ver a nota 6).
- ↑ Substantivo uba (t, t), ‘pai’, ‘irmão do pai’, ‘primo do pai’. É comum entre índios, até o presente, tratarem-se eles todos como parentes. Veremos isso acontecer também nestas cartas, o que pode confundir o real vínculo de parentesco existente entre seus autores.
- ↑ Gûitekóbo – Em tupi antigo, há o gerúndio ‘causal’. Esta forma de gerúndio do verbo ikó / ekó (t-) expressa a causa daquilo que foi perguntado na frase anterior.
- ↑ Literalmente, ‘para a não perda da salvação de vocês’. O verbo kanhem, ‘perder-se’, ‘sumir’ etc., é intransitivo e tem como sujeito a coisa ou pessoa que se perde, que some. Assim: Okanhem xe rekokatu. – ‘Perdeu-se minha salvação’ (não se diria: Akanhem xe rekokatu – ‘Perdi minha salvação’).
- ↑ O mesmo que îandé. Em tupi antigo, [ñ] é alofone de /j/, semivogal, e é representado na nossa transcrição por nh.
- ↑ O verbo kanhem compõe-se aqui com o advérbio etekatu e, assim, passa a receber como sufixo de gerúndio a forma -abo, própria dos verbos terminados em u.
- ↑ O conceito de ‘pecado’ não existia entre os tupis da costa. A palavra tekoaíba significa, literalmente, ‘modo de ser ruim’, ‘cultura ruim’.
- ↑ Aqui temos o verbo pysyrõ + sufixo circunstancial ab + ûam (alomorfe de ram) + sufixo nominalizador -a.
- ↑ Verbo kuab, ‘conhecer’, ‘reconhecer’, ‘saber’, ‘agradecer’, em seu alomorfe kuûab ou kugûab. Podia haver epêntese de [w] entre vogais, mesmo de sílabas diferentes: [ua > uûa; o u > oû u], o que era representado por gu ou g nos textos coloniais: oerur > ogûerur – trouxe; o uba > og uba – seu próprio pai.
- ↑ Verbo mondó, com o afixo -emi-. No original faltou uma sílaba e lemos xe remidó.
- ↑ O autor da carta escreveu . Como vemos, representou o til sobre o a com um traço em forma de interrogação, o mesmo que utilizou sobre a sílaba final da palavra ‘capitão’: