Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/23

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dia trabalhava, vinha pelo interior das terras vestindo vale e monte. Por entre os troncos dos pinheiros mansos, o largo rio alvejava embaixo à claridade das estrelas. Os pirilampos faiscavam na ponta das sebes. Um aroma de madressilva adoçava o ar.

O bom lenhador atravessou, sobre uma ponte feita de troncos, um riacho que saltava entre rochas, onde os pajens da castelania vinham pescar trutas. Um rouxinol cantava embaixo entre a ramaria dos choupos. Adiante havia uma cruz de pedra coberta de heras, que tinha um braço partido. Piedosamente o bom lenhador tirou o seu barrete de pele de coelho. O seu coração simples, nessa noite, sentia como um contentamento desacostumado. Ouvindo o sino do mosteiro, que nas colinas além do rio tocava a Vésperas, murmurou uma salve-rainha, com uma devoção maior, certo de que a Virgem o escutava, debruçada do Céu, toucada de todas aquelas estrelas que rebrilhavam mais que o ouro. Já, a distância, sob o céu pálido, se arredondavam os cimos dos arvoredos, onde se escondia a sua cabana. A mulher, a boa companheira, esperava por ele fiando à lareira. Estugou o passo e, subitamente, da sombra de um chorão debruçado à beira do caminho, surgiu um moço de olhos brilhantes como lumes, coberto com uma túnica branca, encostado a uma vara branca, que parou diante dele, e disse sorrindo: