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Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/357

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do pão, escolhia a fruta no pomar – e mesmo, arrastando o seu longo vestido sobre a terra ainda húmida, ia procurar as ervas salutares, para compor os unguentos domésticos. Todo o solar, por isso, resplandecia de gravidade e asseio. Nas lajes do pátio não crescia uma erva. No rebordo de cada janela havia um manjericão bem regado e fresco. Bem esfregados a carqueja, os soalhos pareciam sempre de madeira nova. Das arcas, cheias de roupa de linho, saía um bom cheiro de alfazema. Os pratos e os pichéis de estanho, sobre os bufetes, reflectiam, como espelhos, os lavores das altas cadeiras de espaldar, as listas vistosas das cortinas, ou os ramalhetes de açucenas e rosas, trasbordando dos vasos de barro vidrado.

Ocioso e risonho, com uma larga simarra de pano orlada de peles de raposa, que lhe descia até aos sapatos de couro vermelho, o bom Senhor D. Rui cofiava a sua barba, através do seu solar, gozando esta paz e esta ordem. Os seus dias corriam retirados e doces, como num mosteiro rico – e raramente tomava o seu bastão de cabo de prata, para transpor a velha ponte levadiça. Pelos tempos chuvosos, o bom Senhor, de janela em janela, contemplava o vale, o arvoredo molhado, as duas torres do mosteiro; ou aquecia pacientemente as mãos ao braseiro; ou abria o cofre de ferro, pregado no