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– Divertido escudeiro tendes, Senhor D. Gil – murmurou, sorrindo, o Senhor de Astorga. – E, pela viola que lhe vi ao ombro, penso que sabe trovar. Ocasião terei de o ouvir por essas estradas, agora que há Lua, porque, como ides a Segóvia, o nosso caminho é o mesmo até Zarro! E agora deveríamos descansar, e fazer a sesta à mourisca, para montar e partir pela frescura da tarde...

E imediatamente D. Gil sentiu que os olhos se lhe cerravam, e, reclinado no coxim de veludo, docemente adormeceu.

Mas, adormecido, percebia a frescura das grandes árvores, via o brilho do claro lago: – e, sem saber se era já a viola de Pêro que tocava, começou de ouvir uns sons muito lentos e doces, que tremiam como fugindo de cordas afinadas. Depois uma fina flauta suspirou, depois um lento gemido de harpa passou. E bem depressa uma doce, grave melodia encheu tão completamente o bosque, como se fossem os ramos que cantassem. E era um canto todo de adoração, mas contido, apenas murmurado, como de uma multidão invisível que, estaticamente, esperasse uma aparição maravilhosa. Uma imensa languidez passou no ar. Todo o sol que caía na água, nas folhas, rebrilhou com uma cintilação mais intensa.

Mas o canto subia, mais ardente, quando por detrás da ponte da ilha, que verdejava no meio