Página:Ultimas Paginas (Eça de Queirós, 1912).djvu/460

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trabalho. Mais duro e complicado é que eu lhe dê (como V. reclama tão azafamadamente) a minha opinião sobre o seu Brasil... E V., menos céptico que Pilatos, exige a Verdade, a nua Verdade, sem chauvinismos e sem enfeites... Onde a tenho eu, a Verdade? Não é, infelizmente, na quinta da Saragoça que se esconde, sob o cipreste e o louro, o poço divino onde ela habita. Só lhe posso comunicar uma impressão de homem, que passou e olhou. E a minha impressão é que os Brasileiros, desde o Imperador ao trabalhador, andam a desfazer e, portanto, a estragar o Brasil.

Nos começos do século, há uns 55 ou 60 anos, os Brasileiros, livres dos seus dois males de mocidade, o ouro e o regime colonial, tiveram um momento único, e de maravilhosa promessa. Povo curado, livre, forte, de novo em pleno viço, com tudo por criar no seu solo esplêndido, os Brasileiros podiam, nesse dia radiante, fundar a civi-lização especial que lhes apetecesse, com o pleno desafogo com que um artista pode moldar o barro inerte que tem sobre a tripeça de trabalho, e fazer dele, à vontade, uma vasilha ou um Deus. Não desejo ser irrespeitoso, caro Prado; mas tenho a impressão que o Brasil se decidiu pela vasilha.

Tudo em redor dele, desde o céu que o cobre à índole que o governava, tudo patentemente indicava ao Brasileiro que ele devia ser